Moro será denunciado ao CNJ por abuso de poder
Os mais de 3 mil comentários de apoio que os leitores desta página deixaram no post anterior fizeram do texto o que pretendia ser: um abaixo-assinado contra o juiz Sergio Moro.
Como expliquei naquele texto, esses comentários servirão para que o Conselho Nacional de Justiça perceba que a reclamação que irá receber contra esse magistrado não saiu da minha cabeça, mas de sentimento de um setor da sociedade.
Antes de adentrar no assunto do post – como e por que a representação está sendo feita –, devo explicar que o documento só terá um signatário oficial, conforme também expliquei no post anterior. Esse signatário será este que escreve.
A razão para tanto, é a seguinte: se tivéssemos que colocar todos como signatários, haveria que “qualificar” cada um dos que apoiaram a medida. Essas mais de 3 mil pessoas teriam que enviar cópias de documentos pessoais e comprovante de residência, e informar nome completo, profissão, cidade e Estado.
Na verdade, nem precisariam enviar – poderiam fazer a representação elas mesmas. Mas se eu tivesse que fazer para cada uma, só se acionasse o CNJ como entidade, ou seja, através do Movimento dos Sem Mídia. Porém, com essa profusão de signatários, sempre haveria um meio de arrumarem alguma desculpa e não aceitar.
Como há também uma questão de “timing” envolvida, então este blogueiro assumirá a responsabilidade, sozinho, em nome de todos. Porém, todos os comentários que expressaram claramente apoio à medida serão impressos e anexados à reclamação.
Explico, também, por que pedi que os comentários fossem colocados aqui no Blog.
É muito simples: os comentários postados aqui ficam registrados em um arquivo contendo o texto que cada um escreveu e, mais do que isso, o código IP de cada comentarista, dia, hora e e-mail.
Ou seja: é possível comprovar a autenticidade do comentário. É diferente de printar um comentário do Facebook, que não se pode garantir que é real.
Dito isso, vamos aos fatos que fizeram com que eu propusesse a medida.
Há muito tempo o juiz Sergio Moro vem despertando indignação de determinados setores da sociedade devido ao fato de que suas ações têm um viés político-partidário e ideológico claro. Além disso, há reclamações diversas quanto ao tratamento que tem dado aos presos, sobretudo na questão de “chantageá-los” para que adiram à delação premiada ou fiquem mofando na cadeia.
Tudo isso, porém, é subjetivo. Por essa razão, ele tem ignorado as queixas. Ele se livra das reclamações simplesmente ignorando-as porque ninguém sabe o que ele vem apurando, que elementos tem etc. Desse modo, só se pode criticar o que parece que ele tem feito de errado. E é pouco.
Contudo, o doutor Moro, na semana passada, cometeu um erro grave. Um erro que escancarou sua postura parcial e até irresponsável no trato das investigações da operação Lava Jato. Qualquer um que abuse de seu poder, fatalmente acaba cometendo um erro fatal.
Para que o leitor possa entender melhor, reproduzo, abaixo, trecho de matéria do jornal Folha de São Paulo de 22 de abril de 2015 sobre o assunto.
FOLHA DE SÃO PAULO
22 de abril de 2015 – página A4
Procuradoria suspeita que ela continuou movimentando dinheiro sujo em 2015
Moro usa imagens fornecidas por banco para acusar Marice de mentir sobre depósitos para irmã de Vaccari
DE CURITIBA
DE SÃO PAULO
O juiz federal Sergio Moro decidiu nesta terça (21) prorrogar por mais cinco dias a prisão temporária de Marice Correa de Lima,
cunhada do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto e suspeita de ter
movimentado dinheiro com origem no esquema de corrupção descoberto na
Petrobras.
Em seu despacho, Moro afirmou
que Marice foi responsável por depósitos feitos em dinheiro, sem
identificação do depositante, na conta da mulher de Vaccari, sua irmã
Giselda Rouse de Lima.
Segundo o juiz, dois
depósitos foram feitos neste ano, ou seja, quando ela já sabia que
estava sendo investigada pela Operação Lava Jato. Marice foi convocada a
prestar depoimento em novembro e foi presa na semana passada.
Segundo o Ministério Público Federal, Marice pagava uma “mesada de fonte ilícita” à mulher de João Vaccari.
A
ligação de Marice com o dinheiro encontrado na conta de Giselda foi
comprovada, de acordo com a Procuradoria, por dois vídeos enviados aos
investigadores pelo Itaú Unibanco, com registros de suas câmeras de
segurança.
Os vídeos mostram uma mulher
identificada pela Procuradoria como Marice, nos dias 2 e 6 de março
deste ano, em terminais de autoatendimento de duas agências de São
Paulo, no momento em que foram realizados depósitos para a mulher de
Vaccari.
Na segunda (20), em
depoimento em Curitiba, Marice negou ter feito depósitos para a irmã.
Com base nas imagens fornecidas pelo banco, Moro decidiu mantê-la presa.
“O que mais preocupa não é o
fato da investigada ter faltado com a verdade tão flagrantemente em seu
depoimento”, escreveu o juiz, que conduz os processos da Lava Jato em
Curitiba. “O mais perturbador é a constatação de que a prática delitiva
não se encerrou com o início da fase ostensiva da operação.”
[…]
No mesmo dia 21, o juiz Moro declarou à imprensa que as imagens de
uma mulher depositando dinheiro na conta da esposa do ex-tesoureiro do
PT João Vaccari Neto via caixa-automático “não deixavam qualquer margem
para dúvida” de que se tratava da irmã dela, Marice.O açodamento dessa declaração é o que, agora, permite que se questione a conduta de Moro na Corregedoria Nacional de Justiça, órgão vinculado ao Conselho Nacional de Justiça no qual será feita a queixa contra o juiz.
Dois dias após essa declaração desastrosa – e com Marice ainda presa –, o mesmo juiz declara que “não tem mais certeza” de que a mulher que mandou prender cometeu o “crime” que ele disse que cometera.
Confira matéria também da Folha no mesmo dia.
FOLHA DE SÃO PAULO
23 de abril de 2015
Marice Correa nega ter feito depósitos suspeitos; Ministério Público queria mantê-la presa
Perito que analisou o caso a pedido da Folha diz que é ‘desprezível’ a chance de cunhada ser mulher filmada no Itaú
DE CURITIBA
DE SÃO PAULO
Presa
havia seis dias na Operação Lava Jato, a administradora de empresas
Marice Correa Lima, cunhada do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto,
foi solta na tarde desta quinta-feira (23).
Marice
foi liberada por ordem da Justiça após surgirem dúvidas se, de fato, é
ela quem aparece em vídeos fazendo depósitos em caixas eletrônicos de
duas agências bancárias do Itaú.
Até
então, os vídeos eram evidências de que Marice realizava depósitos na
conta da mulher do dirigente petista, Giselda Rousie de Lima.
Segundo as investigações, Marice é
suspeita de auxiliar Vaccari para operacionalizar a propina destinada
ao PT, no esquema de desvios de recursos da Petrobras. Ela nega.
O Ministério Público Federal
identificou Marice como a autora dos depósitos e, com base nas imagens,
acusou a cunhada de Vaccari de ter mentido em depoimento ao dizer que
nunca tinha feito depósitos à irmã Giselda.
Ao
renovar a prisão de Marice por mais cinco dias, o juiz federal Sergio
Moro chegou a dizer que a imagem “não deixava margem para dúvidas”.
O advogado de Marice, Claudio
Pimentel, insistia que quem aparece no vídeo não é sua cliente, mas a
própria Giselda, a mulher de Vaccari, muito parecida com a irmã.
No
despacho desta quinta, depois de afirmar que “não tem mais certeza da
correção da premissa de que ela seria responsável pelos depósitos”, Moro
revogou a prisão de Marice e determinou que as imagens sejam
periciadas.
“Felizmente o erro foi corrigido e
ela está indo para casa”, comemorou o advogado Pimentel, ao deixar a
sede da PF em Curitiba. Marice não falou com a imprensa.
Mesmo com as dúvidas sobre os
vídeos, a Procuradoria insistiu na manutenção da prisão de Marice
citando uma viagem ao Panamá dias antes de sua prisão e a compra de um
imóvel com dinheiro de origem suspeita.
RECONHECIMENTO
A pedido da Folha, a empresa
Innercalc, especializada em tecnologia de reconhecimento facial,
comparou as imagens fornecidas pelo Itaú com fotos dos rostos de Marice e
Giselda.
“Apesar da baixa qualidade das
imagens, é matematicamente desprezível que seja Marice nas imagens do
banco”, concluiu o perito Carlos Barcellos.
Embora a análise não seja
conclusiva (a chance de ser Marice é baixíssima, residual, porém não é
100% nula), o perito afirma que é suficiente para descartá-la.
“Quanto a Giselda, é possível [que a imagem seja dela]”, afirmou Barcellos.
A empresa fornece sistemas de
reconhecimento facial para combate a fraude bancária e tecnologia para
monitoramento de segurança do aeroporto de Viracopos e na Arena do
Grêmio (RS).
Para uma conclusão 100%
definitiva, a foto analisada da mulher de Vaccari e a imagem do banco
precisariam ter sido captadas com lentes adequadas, luminosidade e
posição idênticas, afirmou o perito. (ESTELITA HASS CARAZZAI E
GRACILIANO ROCHA)
Marice teve que voltar do exterior às pressas para ser presa e
apareceu em toda a grande mídia como criminosa com culpa comprovada por
imagens. Isso sem falar nos seis dias seguintes, vendo o sol nascer
quadrado.O juiz declarou que não havia dúvida de que as imagens eram verdadeiras. Seis dias depois, ele desdisse tudo que dissera, pois estava provado que essa mulher passou por tudo isso por um “engano” que a reportagem mostra acima que foi grosseiro, pois é fácil identificar que a mulher do vídeo não é Marice.
Esse é o ponto da representação. Essa falha revela um juiz que pune primeiro e investiga depois; que se apressa nas decisões por razões não esclarecidas; um juiz que impõe duro castigo a pessoas cuja culpa não está provada e contra as quais, muitas vezes, as evidências são fracas ou inconclusivas.
O erro é tão claro que um colunista da mesma Folha, tão insuspeito de ser petista quanto esse jornal, o jornalista Elio Gaspari, criticou Moro por não ter pedido desculpas à mulher que jogou na cadeia por intermináveis seis dias – seis minutos já seriam insuportáveis para um inocente (até prova em contrário).
FOLHA DE SÃO PAULO
26 de abril de 2015
Elio Gaspari
O juiz Sérgio Moro
esqueceu-se do versinho: “A vida é uma arte, errar faz parte”. Desde
novembro ele se transformou numa esperança de correção e rigor. Botou
maganos na cadeia, desmontou as empulhações do governo, da Petrobras e
das empreiteiras. Tomou centenas de providências, mas deu-se
mal quando prorrogou a prisão de Marice Correa de Lima, cunhada do
comissário João Vaccari Neto. Aceitou a prova de um vídeo obtido pela
Polícia Federal, endossada pelo Ministério Público, na qual ela foi
confundida com Giselda, sua irmã.
Desde
o primeiro momento o advogado de Marice disse que a senhora mostrada no
vídeo era Giselda. A própria Giselda informou que era ela quem aparecia
no vídeo. Depois de manter a cidadã presa por vários dias, Moro mandou
soltá-la dizendo que “neste momento processual, porém, não tem mais este
Juízo certeza da correção da premissa utilizada”. Caso típico
para uma bolsa de Madame Natasha. Não se tratava de ter ou não certeza,
mas de admitir que houve um erro. O Ministério Público não comentou a
trapalhada e todos esperam por uma perícia da Polícia Federal.
Juízes, procuradores e policiais
engrandecidos pela opinião pública tendem a confiar na própria
infalibilidade e acham que admitir erro é vergonha. É o contrário. Não
custa repetir a explicação do juiz David Souter num voto dado na Corte
Suprema, ao admitir que contrariava o que dissera noutro julgamento:
“Ignorância, meus senhores, ignorância”.
Eis o caso. Para o condescendente colunista antipetista da Folha, o
juiz cometeu “um erro”. Fica fácil chamar de “erro” se quem o faz não
ficou quase uma semana vendo o sol nascer quadrado após ser execrado na
máquina de triturar gente dita “grande imprensa”, com destaque para a
mulher passeando cabisbaixa e algemada pelo Jornal Nacional.Apesar de apontar o “errinho” do juiz, o colunista acima desumaniza Marice e a despe, publicamente, de sua cidadania. Foi massacrada pela pressa do juiz em corresponder à bajulação que a mídia vem lhe fazendo (vide foto no alto da página). Então, dane-se ela. Foi só um “errinho” bobo, não é mesmo?
Bem, há muita gente que não pensa assim. Mais especificamente, no momento em que escrevo há 3.181 leitores desta página que não acham que foi só um erro. Assim, essas pessoas constituíram informalmente um representante – eu – que irá à Justiça pedir que o doutor Moro seja investigado por abusar de seu poder por razões a apurar. E vamos pedir que ele seja afastado da Operação Lava Jato.
É isso o que se quer. Ninguém quer parar investigação nenhuma. Porém, essa investigação tem que ser feita por um juiz que não atue como promotor, como acusador e, sim, como magistrado. Que sopese os dois lados da moeda e decida, simplesmente, com JUSTIÇA.
Imagina-se que não é pedir muito.
*
PS: Vários advogados que subscreveram a queixa que será feita ao CNJ propuseram-se a me ajudar a compor a petição. Imagino que até a próxima sexta-feira estará tudo concluído. Quando estiver, postarei aqui a íntegra da representação, com prova de que foi protocolada em Brasília, na Corregedoria Nacional de Justiça.
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